Agora, que praticamente todos viram o filme, decidi fazer minha
análise sobre Bacurau. Obviamente não vou analisar tecnicamente o
filme, vou fazê-lo como uma obra literária. Se você ainda não viu
o filme, pare por aqui e volte depois que vê-lo.
O
filme começa com um caminhão-pipa, dirigido pelo personagem
Erivaldo passando por cima de caixões no caminho de Bacurau. A
presença de caixões me fez lembrar da obra Incidente em Antares, de
Érico Veríssimo. Logo a seguir, um caminhão de caixões tombado e
uma pessoa morta; além disso, a estrada cheia de buracos. Entendo
como as dificuldades no caminho de nossas vidas, é a água vencendo
a morte, passando por cima.
No
caminho, dá pra ver uma escola abandonada, a falta de investimento
na educação, além disso há um ônibus escolar na entrada da vila,
que nunca sai do lugar, inclusive tem outra finalidade. E uma placa:
“Bacurau a 17 km. Se for, vá na paz.”
O
personagem Lunga aparece, em uma tela no caminhão, sendo procurado
pela polícia, com recompensa. Logo a frente, o personagem Erinaldo
para em um local em que há água e pessoas que têm a posse dela, há
um diálogo entre ele e Tereza, a personagem que está retornando a
Bacurau. Nesse diálogo, eles falam sobre Lunga. Dá para perceber
que Lunga é praticamente um herói, pois tentou invadir o local para
levar água a Bacurau.
Pouco
antes da vila, há a casa de Darlene, personagem que age como
informante da vila, pois avisa quem está chegando. Aqui se percebe
uma das principais características de Bacurau: a vila vive um
sistema socialista, em que cada personagem tem uma função
importante para o grupo, todos têm o grupo como mais importante que
o individual.
Tereza
recebe uma sementinha, colocada em sua boca por um morador, ela chega
à vila trazendo apenas uma mala vermelha, que é tratada com carinho
pelos habitantes. Eles comemoram a chegada da mala, pois ela é muito
importante, traz vacinas. Tereza não traz nada dela ou para ela. Em
Bacurau é todos por todos.
Tudo
nos leva a crer que a personagem principal é Tereza, mas ela é
apenas nossa porta de entrada a Bacurau. Ela chega ao velório de sua
avó, pessoa muito estimada na vila.
Sônia
Braga, uma de nossas atrizes mais talentosas, dá vida à personagem
Domingas. Se a intenção do diretor foi fazer com que o expectador
criasse antipatia no início pela personagem, não foi o que
aconteceu comigo. Na primeira cena em que aparece, Domingas bate a
janela na cara de Tereza, quando esta passa. Na segunda, ela vai,
bêbada, até o velório da avó de Tereza e causa tumulto parecendo
ter ciúme por a mulher ser amada pela população. A intenção do
diretor parece ser nos fazer ver Tereza como personagem principal,
depois vemos que não, por isso disse que Domingas é vista como
alguém ruim, mas logo à frente veremos que não.
Por
que Domingas agem assim? Porque é humana. Todos nós temos nossas
vaidades, não é fácil pensar o tempo todo no bem comum.
Bacurau
é tão organizada que há até um locutor com carro de som e vídeo.
Nunca se vê alguém sozinho nas ruas de Bacurau.
Quando
vi a vila pela primeira vez, lembrei-me de Macondo, cidade onde se
passa a maioria dos romances de Gabriel García Márquez. O livro
Cem anos de solidão mostra essa cidade vivendo uma espécie de
socialismo. Dizem que Gabo leu Érico Veríssimo, certamente Kleber
Mendonça Filho – diretor de Bacurau – leu os dois.
Dois
locais são sempre mostrados durante o filme, a escola e o museu. O
museu é o orgulho de Bacurau. Há também uma igreja, que serve de
depósito, aqui certamente o diretor quis deixar claro que dessa
forma a igreja é mais útil à população; além de um posto de
atendimento de saúde, comandado pela personagem Domingas. Nesse
momento vemos que ela é como os outros, é uma pessoa boa. Domingas
atende casos bem simples, como uma mulher que vai até ela porque
está de ressaca e um homem que vai até lá apenas para poder
dormir.
Outro
personagem importante é Acácio, conhecido por pacote. Esse
personagem foi autor de vários crimes pelo estado. Ele gosta de ser
chamado pelo nome pelos moradores de Bacurau, mas de Pacote por quem
é de fora. Acácio não sofre qualquer tipo de discriminação em
Bacurau, nem ele, nem qualquer outro personagem, o que mostra que
Bacurau aceita todo mundo.
Um
dos momentos mais importante é quando aparece o prefeito Tony
Junior, Darlene avisa a cidade que ele está indo para lá, em menos
de cinco minutos, todos se escondem, Tony é uma caricatura do
político brasileiro, que só lembra dos eleitores em tempo de
eleição. Tony leva alimentos, muitos vencidos; remédios tarja
preta; caixão e livro, que trata com desprezo, despejando de um
caminhão.
O
que para Tony é lixo, para a população é tesouro, cultura e
educação são muito valorizadas em Bacurau.
O
diretor no engana mais uma vez em uma cena em que aparece um drone
parecido com um disco voador antigo. Nós somos levados a pensar que
a população vai ser invadida por aqueles discos toscos, mas logo
percebemos que os moradores sabem que se trata de um drone.
A
ação no filme só começa quando dois forasteiros aparecem em
Bacurau. São dois brasileiros do sudeste que se unem a um grupo de
americanos que vêm para matar todos os habitantes de Bacurau,
participando de uma espécie de jogo.
Os
dois se acham melhores que os moradores de Bacurau por serem do
sudeste, dizem que são brancos, mas os americanos não os veem assim
e até zombam deles, comparando-os a mexicanos brancos. Achei essa
cena sensacional, pois mostra exatamente como muitas pessoas do
sul/sudeste do Brasil agem, achando-se superiores a nordestinos, mas
dá pra ver que os gringos os veem como inferiores a eles, iguais aos
nordestinos.
Os
americanos acham que vai ser fácil acabar com Bacurau, mas eles não
contam com a união do povo, liderado por Lunga, que é trazido por
Pacote à vila. Lunga é o herói local, o salvador e traça
estratégias para vencer. Lembremos que Lunga está foragido da
justiça, vivendo como se estivesse preso e trazido pelo povo para
liderá-lo, lembra algo?
Quando
os gringos estão se dirigindo a Bacurau, Domingas vai ao encontro de
um deles, o líder, e lhe dá presentes, que representam a cultura do
local: suco de caju e guizado, coloca música americana. O americano
joga tudo, tira uma faca e a ameaça, tentando mostrar superioridade,
pela força. Ela usa jaleco branco, paz. Lembrou-me os portugueses
chegando no Brasil e sendo recebido pelos índios. Mas aqui o
vencedor será o povo da terra.
Os
americanos entram facilmente na cidade, não há resistência, mas
não encontram ninguém. Um deles diz: “Eu achei que era só chegar
e sair atirando.”
Em
uma cena, enquanto um americano anda por uma casa, passa na TV:
“Execuções públicas recomeçam...” Vale lembrar que o filme se
passa em um futuro próximo, então é uma crítica aos rumos que o
país está tomando.
O
museu de Bacurau é o orgulho da cidade, mas os gringos sempre
desdenham-no. É aqui que acontece a cena mais forte do filme. O povo
usa as armas do museu para se defender. Se tivessem conhecido o museu
antes, poderiam saber que havia muitas armas ali. O museu só nos é
apresentado internamente nessa cena, só então percebemos que os
habitantes de Bacurau são descendentes do cangaço.
O
primeiro tiro de resposta veio da escola. A escola sempre resistindo,
assim como a cultura.
Após
vencerem os americanos, as cabeças deles são cortadas e exibidas,
assim como fizeram com os líderes do cangaço no passado, seria um
troco.
Lunga
é quem corta essas cabeças. Pacote pergunta a Tereza se Lunga não
exagerou e ela responde que não.
O
filme traz dois personagens trans: Dalila e Lunga. Há diferença
entre eles e os outros personagens? Não. Em Bacurau todos são
iguais e importantes.
No
fim, aparece o culpado por tudo, o prefeito, mas ele tem o merecido
castigo. Quando o prefeito pede para Plínio, o professor, não fazer
nada, este responde: “Nós estamos sob um poderoso psicotrópico e
você vai morrer.”
Apenas
um personagem não tem a cabeça decepada, o líder, alemão. Ele é
enterrado vivo. Antes disso acontecer, a responsável pelo museu diz
que ele já foi uma boa pessoa. Domingas responde que ele já teve
mãe.
No
fim, o personagem alemão grita: “Isso é só o começo!” Já vi
algumas pessoas dizendo que isso foi uma deixa para uma continuação,
mas acho que isso significa que sempre tem algo acontecendo,
começando e terminando.
Em
Bacurau não há um personagem principal Bacurau é o personagem
principal. Somente a união do povo fez com que conseguissem
resistir. Educação e cultura são fundamentais a todos,
principalmente hoje, que temos um governo que não as valoriza.
Bacurau
representa a luta diária do povo brasileiro.
Isso
não é um resumo do filme, apenas tentei analisar os pontos
principais. Você pode concordar ou não, pois é uma obra muito
subjetiva.
Ah!
E sobre a sementinha? A sementinha para mim é a nossa dose diária
de motivação, de garra, de vontade.
Valeu!
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