domingo, 20 de dezembro de 2015

ANÁLISE DO CONTO A CAUSA SECRETA – MACHADO DE ASSIS


Se me perguntar qual meu conto preferido de Machado, certamente não terei a resposta, mas A causa secreta sempre estará entre meus eles. Neste conto, o Bruxo de Cosme Velho mostra toda sua genialidade, que veremos a seguir. A obrigatoriedade em ler Machado talvez faça com os novos leitores tentem manter certa distância da obra do escritor, assim como o mau trabalho de alguns professores, que insistem que Machado é complicado. Complicado não, apenas é necessário que se faça uma leitura atenta, não se pode perder um detalhe em sua obra, tudo é importante. Vamos à análise. Como qualquer análise, você pode não concordar com ela. Então, leia, reflita, concorde, discorde…
O conto segue ordem cronológica, o tempo é bem definido, porém o tempo é não-linear. Inicia-se em uma sala, com os três personagens principais: Garcia e o casal Fortunato/Maria Luísa. O narrador, 3ª pessoa, deixa claro que os três já estão mortos. É criado um clima de suspense, pois os personagens se mostram incomodados com a situação inicial do conto. Machado aguça a curiosidade do leitor, que percebe que algo anormal aconteceu. Mas o quê? O narrador volta no tempo.
Garcia é médico, mas o narrador volta ao tempo em que ele era ainda um estudante de medicina e conta o seu primeiro encontro com Fortunato, na porta da Santa Casa. Como falei acima, cada detalhe é importante e o local do primeiro encontro tem sua importância para o entendimento do conto. O segundo encontro dos dois se deu em um teatro. Observe o trecho: “A peça era um dramalhão, cosido a facadas, ouriçado de imprecações e remorsos; mas Fortunato ouvia-a com singular interesse. Nos lances dolorosos, a atenção dele redobrava, os olhos iam avidamente de um personagem a outro, a tal ponto que o estudante suspeitou haver na peça reminiscências pessoais do vizinho. No fim do drama, veio uma farsa; mas Fortunato não esperou por ela e saiu.” Aqui começa a curiosidade de Garcia para saber quem é Fortunato. O estudante segue Fortunato. Este, no caminho, dava bengaladas em cachorros que encontrava.
Algumas semanas depois, Fortunato ajudou a socorrer um rapaz que fora esfaqueado. Enquanto o ferido estava de cama, Fortunato ajudou com todo o zelo. Até o rapaz não mostrar mais sofrimento. Fortunato, então, deixou de fazer seu trabalho de enfermeiro e nunca mais voltou. Porém, enquanto ajudava, Garcia notava o modo como o “enfermeiro” olhava para o acamado, os olhares novamente presentes na obra de Machado.
Quando o rapaz melhorou, fez questão de agradecer a Fortunato pela ajuda, mas este desfez do rapaz. Esses fatos deixaram Garcia confuso e curioso. Quem seria Fortunato? O homem que maltratava animais, que se mostrava indelicado? Ou o homem dedicado ao auxílio de quem realmente precisava? Aqui mais uma característica de Machado, trabalhar muito bem o psicológico de seus personagens, pessoas aparentemente comuns.
Gosto de trabalhar esse conto com meus alunos, e quando chego aqui, faço uma pausa e pergunto a eles quem seria Fortunato. As respostas mais dadas são: um louco; um psicopata; um homem que não gosta de animais, mas adora os humanos; alguém que se esforça para parecer boa pessoa…
O narrador diz que Garcia tem o dom de decifrar os homens, de analisar. Assim, deixa claro que ele vai tentar descobrir quem é Fortunato. Faltava-lhe oportunidade para se aproximar de Fortunato e ela apareceu.
Fortunato convidou-lhe para jantar. Assim, Garcia conheceu Maria Luísa, esposa de Fortunato.
Nesse momento, Garcia já está formado. Fortunato faz uma proposta, de juntos abrirem uma casa de saúde. Aqui se percebe a conveniência, Fortunato tinha o dinheiro, mas não tinha como executar o que desejava, não era médico. Garcia tinha a formação, mas não tinha meios de como iniciar seus trabalhos, capital.
Garcia se aproximou cada vez mais do casal e acabou se apaixonando pela esposa do seu sócio, Maria Luísa era o oposto de Fortunato e sentia-se solitária. Alguns leitores chegam a se esquecer dos motivos que aproximaram os dois, alguns acham até que Garcia e Maria Luísa iniciarão um belo romance, mas o narrador volta a falar de Fortunato e de seus experimentos com animais, maltratando-os e matando-os. Antes, porém, fica evidente que Fortunato é dedicado, que faz de tudo pela casa de saúde.
Chegamos ao clímax do conto, o dia do início desta narrativa. Garcia chega e encontra Maria Luísa aflita após verificar que seu marido estava fazendo algo terrível. O médico se encaminha até o gabinete e lá descobre o segredo de Fortunato: "Castiga sem raiva", pensou o médico, "pela necessidade de achar uma sensação de prazer, que só a dor alheia lhe pode dar: é o segredo deste homem". Segredo descoberto, Fortunato torturava um rato. Percebeu por que Fortunato rondava a Santa Casa?
Segredo descoberto, é hora do desfecho, certo? Errado.
Maria Luísa adoece. Como o prazer de Fortunato está na dor alheia, ele cuida atentamente de Maria Luísa, tentando prolongar o sofrimento dela o máximo possível, seu prazer. A mulher morre.
Para mim, a melhor parte do conto vem agora, a surpresa.
Enquanto a mulher está sendo velada, Fortunato se afasta da sala, Garcia vai até o caixão para se despedir do seu amor, aquela que ele amou em silêncio, mostrando fidelidade ao amigo. Garcia não aguenta e começa a chorar, em seus olhos se nota o sofrimento. Fortunato volta à sala, mas para ao ver a cena. Só então percebe que as lágrimas do amigo são de amor. A dor de Garcia é prazer para Fortunato. O conto termina assim: “Fortunato, à porta, onde ficara, saboreou tranquilo essa explosão de dor moral que foi longa, muito longa, deliciosamente longa.”


Tentei analisar essa obra já resumindo-a e utilizando uma linguagem de fácil compreensão.
É necessário ler o conto integralmente.