Se
me perguntar qual meu conto preferido de Machado, certamente não
terei a resposta, mas A causa secreta sempre estará entre meus eles. Neste conto, o Bruxo de Cosme Velho mostra toda sua
genialidade, que veremos a seguir. A obrigatoriedade em ler Machado
talvez faça com os novos leitores tentem manter certa distância da
obra do escritor, assim como o mau trabalho de alguns professores,
que insistem que Machado é complicado. Complicado não, apenas é
necessário que se faça uma leitura atenta, não se pode perder um
detalhe em sua obra, tudo é importante. Vamos à análise. Como
qualquer análise, você pode não concordar com ela. Então, leia,
reflita, concorde, discorde…
O
conto segue ordem cronológica, o tempo é bem definido, porém o
tempo é não-linear. Inicia-se em uma sala, com os três personagens
principais: Garcia e o casal Fortunato/Maria Luísa. O narrador, 3ª
pessoa, deixa claro que os três já estão mortos. É criado um
clima de suspense, pois os personagens se mostram incomodados com a
situação inicial do conto. Machado aguça a curiosidade do leitor,
que percebe que algo anormal aconteceu. Mas o quê? O narrador volta
no tempo.
Garcia
é médico, mas o narrador volta ao tempo em que ele era ainda um
estudante de medicina e conta o seu primeiro encontro com Fortunato,
na porta da Santa Casa. Como falei acima, cada detalhe é importante
e o local do primeiro encontro tem sua importância para o
entendimento do conto. O segundo encontro dos dois se deu em um
teatro. Observe o trecho: “A
peça era um dramalhão, cosido a facadas, ouriçado de imprecações
e remorsos; mas Fortunato ouvia-a com singular interesse. Nos lances
dolorosos, a atenção dele redobrava, os olhos iam avidamente de um
personagem a outro, a tal ponto que o estudante suspeitou haver na
peça reminiscências pessoais do vizinho. No fim do drama, veio uma
farsa; mas Fortunato não esperou por ela e saiu.” Aqui
começa a curiosidade de Garcia para saber quem é Fortunato. O
estudante segue Fortunato. Este, no caminho, dava bengaladas em
cachorros que encontrava.
Algumas
semanas depois, Fortunato ajudou a socorrer um rapaz que fora
esfaqueado. Enquanto o ferido estava de cama, Fortunato ajudou com
todo o zelo. Até o rapaz não mostrar mais sofrimento. Fortunato,
então, deixou de fazer seu trabalho de enfermeiro e nunca mais
voltou. Porém, enquanto ajudava, Garcia notava o modo como o
“enfermeiro” olhava para o acamado, os olhares novamente
presentes na obra de Machado.
Quando
o rapaz melhorou, fez questão de agradecer a Fortunato pela ajuda,
mas este desfez do rapaz. Esses fatos deixaram Garcia confuso e
curioso. Quem seria Fortunato? O homem que maltratava animais, que se
mostrava indelicado? Ou o homem dedicado ao auxílio de quem
realmente precisava? Aqui mais uma característica de Machado,
trabalhar muito bem o psicológico de seus personagens, pessoas aparentemente comuns.
Gosto
de trabalhar esse conto com meus alunos, e quando chego aqui, faço
uma pausa e pergunto a eles quem seria Fortunato. As respostas mais
dadas são: um louco; um psicopata; um homem que não gosta de
animais, mas adora os humanos; alguém que se esforça para parecer
boa pessoa…
O
narrador diz que Garcia tem o dom de decifrar os homens, de analisar.
Assim, deixa claro que ele vai tentar descobrir quem é Fortunato.
Faltava-lhe oportunidade para se aproximar de Fortunato e ela
apareceu.
Fortunato
convidou-lhe para jantar. Assim, Garcia conheceu Maria Luísa, esposa
de Fortunato.
Nesse
momento, Garcia já está formado. Fortunato faz uma proposta, de
juntos abrirem uma casa de saúde. Aqui se percebe a conveniência,
Fortunato tinha o dinheiro, mas não tinha como executar o que
desejava, não era médico. Garcia tinha a formação, mas não tinha
meios de como iniciar seus trabalhos, capital.
Garcia
se aproximou cada vez mais do casal e acabou se apaixonando pela
esposa do seu sócio, Maria Luísa era o oposto de Fortunato e
sentia-se solitária. Alguns leitores chegam a se esquecer dos
motivos que aproximaram os dois, alguns acham até que Garcia e Maria
Luísa iniciarão um belo romance, mas o narrador volta a falar de
Fortunato e de seus experimentos com animais, maltratando-os e
matando-os. Antes, porém, fica evidente que Fortunato é dedicado,
que faz de tudo pela casa de saúde.
Chegamos
ao clímax do conto, o dia do início desta narrativa. Garcia chega e
encontra Maria Luísa aflita após verificar que seu marido estava
fazendo algo terrível. O médico se encaminha até o
gabinete e lá descobre o segredo de Fortunato: "Castiga sem
raiva", pensou o médico, "pela necessidade de achar uma
sensação de prazer, que só a dor alheia lhe pode dar: é o segredo
deste homem". Segredo descoberto, Fortunato torturava um rato. Percebeu por que Fortunato rondava a Santa Casa?
Segredo
descoberto, é hora do desfecho, certo? Errado.
Maria
Luísa adoece. Como o prazer de Fortunato está na dor alheia, ele
cuida atentamente de Maria Luísa, tentando prolongar o sofrimento
dela o máximo possível, seu prazer. A mulher morre.
Para
mim, a melhor parte do conto vem agora, a surpresa.
Enquanto
a mulher está sendo velada, Fortunato se afasta da sala, Garcia vai
até o caixão para se despedir do seu amor, aquela que ele amou em
silêncio, mostrando fidelidade ao amigo. Garcia não aguenta e
começa a chorar, em seus olhos se nota o sofrimento. Fortunato volta
à sala, mas para ao ver a cena. Só então percebe que as lágrimas
do amigo são de amor. A dor de Garcia é prazer para Fortunato. O
conto termina assim: “Fortunato, à porta, onde ficara, saboreou
tranquilo essa explosão de dor moral que foi longa, muito longa,
deliciosamente longa.”
Tentei
analisar essa obra já resumindo-a e utilizando uma linguagem de
fácil compreensão.
É necessário ler o conto integralmente.