segunda-feira, 3 de março de 2014

ANÁLISE DO CONTO UMA GALINHA - CLARICE LISPECTOR

UMA GALINHA
Era uma galinha de domingo. Ainda viva porque não passava de nove horas da manhã.
Parecia calma. Desde sábado encolhera-se num canto da cozinha. Não olhava para ninguém. Ninguém olhava para ela. Mesmo quando a escolheram, apalpando sua intimidade com indiferença, não souberam dizer se era gorda ou magra. Nunca se adivinharia nela um anseio.
Foi pois uma surpresa quando a viram abrir as asas de curto voo, inchar o peito e, em dois ou três lances, alcançar a murada do terraço. Um instante ainda vacilou — o tempo da cozinheira dar um grito — e em breve estava no terraço do vizinho, de onde, em outro voo desajeitado, alcançou um telhado. Lá ficou em adorno deslocado, hesitando ora num, ora noutro pé. A família foi chamada com urgência e consternada viu o almoço junto de uma chaminé. O dono da casa lembrando-se da dupla necessidade de fazer esporadicamente algum esporte e de almoçar vestiu radiante um calção de banho e resolveu seguir o itinerário da galinha: em pulos cautelosos alcançou o telhado onde esta hesitante e trêmula escolhia com urgência outro rumo. A perseguição tornou-se mais intensa. De telhado em telhado foi percorrido mais de um quarteirão da rua. Pouco afeita a uma luta mais selvagem pela vida a galinha tinha que decidir por si mesma os caminhos a tomar sem nenhum auxílio de sua raça. O rapaz, porém, era um caçador adormecido. E por mais ínfima que fosse a presa o grito de conquista havia soado.
Sozinha no mundo, sem pai nem mãe, ela corria, arfava, muda, concentrada. Às vezes, na fuga, pairava ofegante num beiral de telhado e enquanto o rapaz galgava outros com dificuldade tinha tempo de se refazer por um momento. E então parecia tão livre.
Estúpida, tímida e livre. Não vitoriosa como seria um galo em fuga. Que é que havia nas suas vísceras que fazia dela um ser? A galinha é um ser. É verdade que não se poderia contar com ela para nada. Nem ela própria contava consigo, como o galo crê na sua crista. Sua única vantagem é que havia tantas galinhas que morrendo uma surgiria no mesmo instante outra tão igual como se fora a mesma.
Afinal, numa das vezes em que parou para gozar sua fuga, o rapaz alcançou-a. Entre gritos e penas, ela foi presa. Em seguida carregada em triunfo por uma das asas através das telhas e pousada no chão da cozinha com certa violência. Ainda tonta, sacudiu-se um pouco, em cacarejos roucos e indecisos.
Foi então que aconteceu. De pura afobação a galinha pôs um ovo. Surpreendida, exausta. Talvez fosse prematuro. Mas logo depois, nascida que fora para a maternidade, parecia uma velha mãe habituada. Sentou-se sobre o ovo e assim ficou respirando, abotoando e desabotoando os olhos. Seu coração tão pequeno num prato solevava e abaixava as penas enchendo de tepidez aquilo que nunca passaria de ser um ovo. Só a menina estava perto e assistiu tudo estarrecida. Mal, porém conseguiu desvencilhar-se do acontecimento despregou-se do chão e saiu aos gritos:
-Mamãe, mamãe, não mate mais a galinha, ela pôs um ovo! Ela quer o nosso bem!
Todos correram de novo à cozinha e rodearam mudos a jovem parturiente. Esquentando seu filho, esta não era nem suave nem arisca, nem alegre nem triste, não era nada, era uma galinha. O que não sugeria nenhum sentimento especial. O pai, a mãe e a filha olhavam já há algum tempo, sem propriamente um pensamento qualquer. Nunca ninguém acariciou a cabeça de uma galinha. O pai afinal decidiu-se com certa brusquidão:
-Se você mandar matar esta galinha nunca mais comerei galinha na minha vida!
-Eu também! Jurou a menina com ardor.
A mãe, cansada, deu de ombros.
Inconsciente da vida que lhe fora entregue, a galinha passou a morar com a família. A menina, de volta do colégio, jogava a pasta longe sem interromper a corrida para a cozinha. O pai de vez em quando ainda se lembrava: “E dizer que a obriguei a correr naquele estado!” A galinha tornara-se a rainha da casa. Todos, menos ela, o sabiam. Continuou entre a cozinha e o terraço dos fundos, usando suas duas capacidades: a de apatia e a de sobressalto.
Mas quando todos estavam quietos na casa e pareciam tê-la esquecido, enchia-se de uma pequena coragem, resquícios da grande fuga — e circulava pelo ladrilho, o corpo avançando atrás da cabeça, pausado como num campo, embora a pequena cabeça a traísse: mexendo-se rápida e vibrátil, com o velho susto de sua espécie já mecanizado.
Uma vez ou outra, sempre mais raramente, lembrava de novo a galinha que se recortara contra o ar à beira do telhado, prestes a anunciar. Nesses momentos enchia os pulmões com o ar impuro da cozinha e, se fosse dado às fêmeas cantar, ela não cantaria, mas ficaria muito contente, Embora nem nesses instantes a expressão de sua vazia cabeça se alterasse. Na fuga, no descanso, quando deu à luz ou bicando milho — era uma cabeça de galinha, a mesma que fora desenhada no começo dos séculos.
Até que um dia mataram-na, comeram-na e passaram-se os anos.


ANÁLISE DO CONTO
            O conto Uma galinha parece um conto simples, mas a simplicidade dos textos de Clarice é cheia de complexidade. Vamos à análise:
“Era uma galinha de domingo. Ainda viva porque não passava de nove horas da manhã.”
O conto se inicia com a história de uma galinha que havia sido escolhida para ser o almoço de domingo, a narrativa se inicia com os últimos momentos de vida do animal. A galinha de domingo traz a importância desta para o almoço da família, a ave seria a estrela principal, momento único em sua vida, o momento de sua morte, pois a galinha não mostrava outra utilidade senão a de servir de comida.
“Parecia calma. Desde sábado encolhera-se num canto da cozinha. Não olhava para ninguém. Ninguém olhava para ela. Mesmo quando a escolheram, apalpando sua intimidade com indiferença, não souberam dizer se era gorda ou magra. Nunca se adivinharia nela um anseio.”
Aqui nos é dado o primeiro detalhe da galinha, “parecia calma”, ou seja, a galinha perto de sua morte não se mostrava nervosa, isso parecia normal para ela. O ato de encolher-se no canto da cozinha demonstra o quanto a galinha aceitava a situação, não lutava pela sua vida. Este parágrafo ainda nos mostra como a ave era um ser insignificante: não olhava e não era olhada, não se sabia se era gorda ou magra, não se adivinharia nela um anseio; nada se podia dizer sobre ela. Assim era a situação da mulher na metade do século passado, não importava o que sentia, a mulher simplesmente aceitava o que lhe era imposto. Passemos a ver a galinha como a mulher tolhida, a mulher que tinha que aceitar o sistema, que não tinha voz nem vez.
“Foi pois uma surpresa quando a viram abrir as asas de curto voo, inchar o peito e, em dois ou três lances, alcançar a murada do terraço. Um instante ainda vacilou — o tempo da cozinheira dar um grito — e em breve estava no terraço do vizinho, de onde, em outro voo desajeitado, alcançou um telhado. Lá ficou em adorno deslocado, hesitando ora num, ora noutro pé. A família foi chamada com urgência e consternada viu o almoço junto de uma chaminé. O dono da casa lembrando-se da dupla necessidade de fazer esporadicamente algum esporte e de almoçar vestiu radiante um calção de banho e resolveu seguir o itinerário da galinha: em pulos cautelosos alcançou o telhado onde esta hesitante e trêmula escolhia com urgência outro rumo. A perseguição tornou-se mais intensa. De telhado em telhado foi percorrido mais de um quarteirão da rua. Pouco afeita a uma luta mais selvagem pela vida a galinha tinha que decidir por si mesma os caminhos a tomar sem nenhum auxílio de sua raça. O rapaz, porém, era um caçador adormecido. E por mais ínfima que fosse a presa o grito de conquista havia soado.”
A surpresa quando a viram abrir as asas: jamais se esperaria que a galinha tentasse fazer qualquer coisa por sua liberdade, assim como a mulher que se rebelasse contra o sistema, jamais se esperaria que a mulher lutasse por seus direitos, ela estava ali e tinha que aceitar, ela era mulher, na época ser mulher era ter que aceitar o que a sociedade machista impunha. Ao iniciar a fuga, a galinha ainda vacilou, ou seja, será que aquilo era correto? Lutar contra o sistema? A galinha tinha que decidir por si mesma sem nenhum auxílio de sua raça, ou seja, se decidisse lutar, teria que ir sozinha, ninguém de sua raça (raça humana, inclusive mulheres) a ajudaria. Isso mostra a desunião, nem outras mulheres ajudariam outra que não aceitasse as regras. Quanto ao homem, aqui aparece a primeira característica marcante: o caçador adormecido, enquanto a galinha era a caça, a que não sabia o que fazer, o homem, mesmo um ser sedentário tinha um caçador dentro de si. A mulher vista como presa e o homem como caçador, mesmo que essa presa fosse a mais ínfima.
“Sozinha no mundo, sem pai nem mãe, ela corria, arfava, muda, concentrada. Às vezes, na fuga, pairava ofegante num beiral de telhado e enquanto o rapaz galgava outros com dificuldade tinha tempo de se refazer por um momento. E então parecia tão livre.”
A mulher não contava com ninguém. Parecia tão livre, sentimento que nunca experimentara.
“Estúpida, tímida e livre. Não vitoriosa como seria um galo em fuga. Que é que havia nas suas vísceras que fazia dela um ser? A galinha é um ser. É verdade que não se poderia contar com ela para nada. Nem ela própria contava consigo, como o galo crê na sua crista. Sua única vantagem é que havia tantas galinhas que morrendo uma surgiria no mesmo instante outra tão igual como se fora a mesma.”
Estúpida = sem inteligência, portanto sem inteligência e tímida não sabia o que fazer com a liberdade conquistada, assim se sentiam muitas mulheres, para se ter liberdade era necessário deixar de ser estúpida, esse é um dos motivos que faz com que a galinha do conto não consiga se libertar. Aqui novamente a autora compara o homem à mulher, o galo em fuga se sentiria vitorioso, a galinha se sentindo estúpida e tímida. A galinha (mulher) é um ser, porém nem ela acredita em si, o galo crê na sua crista. Só o fato de ter nascido galo (homem), o põe em situação superior à da galinha. A insignificância da galinha surge novamente, morrendo uma surge outra, indo-se uma mulher submissa, outra estava pronta para assumir seu lugar.
“Afinal, numa das vezes em que parou para gozar sua fuga, o rapaz alcançou-a. Entre gritos e penas, ela foi presa. Em seguida carregada em triunfo por uma das asas através das telhas e pousada no chão da cozinha com certa violência. Ainda tonta, sacudiu-se um pouco, em cacarejos roucos e indecisos.”
Aqui um fato que acontece em muitos textos de Clarice, quando parece que a mulher vai se libertar, ela se torna novamente prisioneira. Quando a galinha enfim iria ter diversão, ela é presa. O homem a carrega como um troféu, o machismo mantém a galinha (mulher) presa, sob suas regras. A galinha volta ao ponto de partida, ao local de onde “não deveria” ter tentado sair.
Foi então que aconteceu. De pura afobação a galinha pôs um ovo. Surpreendida, exausta. Talvez fosse prematuro. Mas logo depois, nascida que fora para a maternidade, parecia uma velha mãe habituada. Sentou-se sobre o ovo e assim ficou respirando, abotoando e desabotoando os olhos. Seu coração tão pequeno num prato solevava e abaixava as penas enchendo de tepidez aquilo que nunca passaria de ser um ovo. Só a menina estava perto e assistiu tudo estarrecida. Mal, porém conseguiu desvencilhar-se do acontecimento despregou-se do chão e saiu aos gritos:
-Mamãe, mamãe, não mate mais a galinha, ela pôs um ovo! Ela quer o nosso bem!
Aqui a situação da galinha muda; ao pôr um ovo, a galinha mostra o seu lado materno. A galinha mostra que pode ser mãe, situação idêntica à da mulher, pois esta era vista como um instrumento para reprodução, muitos homens escolhiam suas mulheres ao perceberem que estas podiam ser boas parideiras e boas mães. Além de pôr o ovo, a galinha cuidou do ovo, nascida para a maternidade a mulher vivia para isso. A menina mudou de opinião sobre a morte da galinha ao ver a cena.
“Todos correram de novo à cozinha e rodearam mudos a jovem parturiente. Esquentando seu filho, esta não era nem suave nem arisca, nem alegre nem triste, não era nada, era uma galinha. O que não sugeria nenhum sentimento especial. O pai, a mãe e a filha olhavam já há algum tempo, sem propriamente um pensamento qualquer. Nunca ninguém acariciou a cabeça de uma galinha. O pai afinal decidiu-se com certa brusquidão:
-Se você mandar matar esta galinha nunca mais comerei galinha na minha vida!
-Eu também! Jurou a menina com ardor.
A mãe, cansada, deu de ombros.”
A galinha continuava sendo a mesma galinha, porém a maneira como ela era vista pela família mudava. A mulher da época também era vista assim, quando tinha um filho era o seu momento, a partir daí sua vida ganhava brilho. A mulher foi a única que não se comoveu com o ovo da galinha, para ela aquilo não era nada de mais. A mulher não se comove, não luta pelo seu sexo, aceita.
“Inconsciente da vida que lhe fora entregue, a galinha passou a morar com a família. A menina, de volta do colégio, jogava a pasta longe sem interromper a corrida para a cozinha. O pai de vez em quando ainda se lembrava: “E dizer que a obriguei a correr naquele estado!” A galinha tornara-se a rainha da casa. Todos, menos ela, o sabiam. Continuou entre a cozinha e o terraço dos fundos, usando suas duas capacidades: a de apatia e a de sobressalto.”
No início, a galinha passou a receber tratamento especial, no entanto ela se mostrava indiferente a isso. A rainha da casa era o termo a que se referiam às donas de casa, nossas mães e avós, que suportavam tudo em nome da família, que cuidavam com zelo desta. Só ela não sabia, ou seja, só ela não tinha consciência de que de fato era uma rainha e que se lutasse por isso, poderia mudar sua situação. “Correr naquele estado”, a galinha estava para pôr um ovo, situação parecida com a da mulher para ter um filho, a importância deste momento, naquele tempo muitos viam gravidez como doença, a mulher precisava de repouso. O arrependimento masculino era para o único momento em que a mulher era importante, na hora da procriação. Apatia = falta de interesse, sobressalto = intranquilidade, medo; estas as duas únicas capacidades da galinha.
“Mas quando todos estavam quietos na casa e pareciam tê-la esquecido, enchia-se de uma pequena coragem, resquícios da grande fuga — e circulava pelo ladrilho, o corpo avançando atrás da cabeça, pausado como num campo, embora a pequena cabeça a traísse: mexendo-se rápida e vibrátil, com o velho susto de sua espécie já mecanizado.”
Suas duas únicas capacidades desaparecem quando ela se sentia esquecida, quando a galinha não se sentia vigiada. A galinha novamente se mostrava capaz de sair daquela situação, porém a ave (mulher) se acomoda após ter um filho. Saberia a mulher o que fazer com a liberdade?
“Uma vez ou outra, sempre mais raramente, lembrava de novo a galinha que se recortara contra o ar à beira do telhado, prestes a anunciar. Nesses momentos enchia os pulmões com o ar impuro da cozinha e, se fosse dado às fêmeas cantar, ela não cantaria, mas ficaria muito contente, Embora nem nesses instantes a expressão de sua vazia cabeça se alterasse. Na fuga, no descanso, quando deu à luz ou bicando milho — era uma cabeça de galinha, a mesma que fora desenhada no começo dos séculos.”
O sistema a fazia esquecer aos poucos de sua luta por liberdade, a sociedade tolhe os seus desejos. “Se fosse dado às fêmeas cantar, ela não cantaria”, mesmo que tivesse muitas capacidades, ela não faria nada, pois seu papel no mundo estava sendo feito, fora feita para ser mãe e só. O texto vai chegando ao final colocando a galinha como um ser que não evoluiu, a mesma galinha com uma cabeça vazia, e assim vinha sendo por muito tempo.
“Até que um dia mataram-na, comeram-na e passaram-se os anos.”
A confirmação de que a mulher não se liberta nos textos de Clarice. Quando a mulher não serve mais para a maternidade, ela pode morrer, pois sua vida não tem mais sentido. A sociedade mata e come, os anos passam e a situação não muda.
O conto de Clarice nos faz refletir sobre a situação da mulher, óbvio que as mulheres obtiveram muitas conquistas nestes últimos anos, mas será que ainda não existem mulheres que agem como galinhas hoje, sem voz e sem vez? Será que muitos homens não continuam vendo as mulheres com simples galinhas?

Conto tirado do livro Laços de Família.






sábado, 1 de março de 2014

A PRONÚNCIA DO X



Dias atrás, um dos leitores deste blog me pediu para explicar a pronúncia do X. Como saber quando o X tem som de ch, ks, s ou z? Fiz uma longa pesquisa e tentei de várias formas achar uma forma para facilitar a compreensão deste uso, mas confesso que não fiquei contente com o resultado, pois não há um padrão, uma regra, não há como sistematizar esse uso. A pronúncia da maioria das palavras se deve a sua etimologia, ou seja, sua origem. E quem é que vai saber se a palavra tem origem grega ou latina na hora de falar?
Bom, mas vamos às conclusões que conseguimos chegar:
- Sempre que o X estiver no início da palavra, ele deve ser pronunciado como o CH. Ex: xícara, xadrez, xale...
- Após EN, o X vai ser sempre pronunciado como CH. Ex: enxada, enxame, enxurrada...
- Após ditongo, deve ser pronunciado como CH. Ex: ameixa, caixa, faixa...
- Após a sílaba ME, deve ser pronunciado como CH. Ex: mexer, mexilhão, mexericar...
- No final das palavras, o X sempre vai ter som de KS. Ex: xerox, inox, fênix...
E a pronúncia das palavras LÉXICO e SINTAXE? Se as duas palavras têm origem grega, o correto seria o X ser pronunciado da mesma forma, correto? Não.
Na palavras LÉXICO, em todos os dicionários pesquisados, encontrei a mesma pronúncia LÉKSICO.
Já na palavra SINTAXE, sempre pronunciei SINTASSE e achava que qualquer outra pronúncia seria incorreta, porém encontrei linguistas que aceitam a pronúncia SINTAKSE.
Apesar de não esclarecer muito, espero ter sido útil.